segunda-feira, 17 de agosto de 2009



Paranoia, conspiração ou realidade? A mídia e a pandemia da gripe



No artigo que segue, os autores analisam a cobertura jornalística em torno à gripe A a partir de três dimensiones: a econômica, a epidemiológica e a social. E mostram como o discurso dos meios é funcional à medicalização e à biopolítica.

O texto foi escrito Hugo Spinelli, Marcio Alazraqui e Anahí Sy, professores da pós-graduação em Epidemiologia, Gestão e Políticas de Saúde e Especialização em Epidemiologia da Universidade Nacional de Lanús, na Argentina, publicado no jornal argentino Página/12, 11-07-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A mídia, em geral, apresenta os temas do Processo Saúde-Doença-Atenção em termos negativos e catastróficos. As boas notícias não são notícias. O que os meios de comunicação problematizam são os escândalos, as tragédias, os atos violentos e algumas pandemias reais ou potenciais. Lembram-se de quando íamos ficar doentes de cólera ou ter a síndrome da vaca louca ou a mais recente gripe aviária, para a qual o Ministério da Saúde [argentino] até comprou medicamentos naquele momento? Tudo isso vende mais do que outros fatos que não são tão espetaculares, por exemplo, a tarefa dos profissionais de saúde nesta – agora sim – real pandemia.

Ao analisar as notícias sobre a pandemia em função de três dimensões (econômicas, epidemiológicos e sociais), podemos – de maneira esquemática – descrever sua evolução em sete etapas (que não têm uma linearidade mecânica, mas que se sobrepõem e coexistem).

A primeira fase está vinculada com a origem da gripe suína. A partir da dimensão econômica, é necessário recuperar o papel dos negócios de alimentos da empresa Smithfield Foods Inc., a produtora de carne suína mais importante do mundo, que, com mais de um milhão de porcos no povoado de La Gloria, no México, é denunciada como o lugar onde a epidemia começou. É a terceira empresa nos EUA em produção de alimentos, com um faturamento anual de mais de 12 bilhões de dólares, localizada pela revista Fortune na posição 222 entre as 500 empresas mais importantes do mundo.

A partir da dimensão epidemiológica, é necessário recuperar o artigo da revista Science de 2003, que alertava para a mutação do vírus da gripe suína e sua relação com as formas de produção de suínos. Em janeiro de 2009, a mesma revista assinalou a passagem do vírus dos suínos para os humanos.

A partir da dimensão social, para os argentinos, era um problema dos outros, acontecia com os outros, e, para isso, nada melhor do que demonstrar a nossa capacidade de discriminar. Assim, cancelaram os voos com o México, gerando não poucas críticas na América Latina por essa atitude.

A segunda fase se instalou como uma catástrofe. A partir da economia, a grande pressão do lobby de produtores de carne suína conseguiu mudar o nome da gripe que tomou assim uma denominação mais científica: gripe A (H1N1). A partir da dimensão epidemiológica, essa nova denominação permitia dar ao processo uma causalidade simples, ligada a um vírus, retirando toda relação com um processo social e produtivo como era o que a denominação anterior lhe dava. Desde o social, a pandemia se instalou como alarme e catástrofe. Os meios de comunicação começaram a reproduzir as mesmas notícias e os mesmos conteúdos.

A Argentina começa a se olhar à luz da experiência mexicana. Um México primeiro superpovoado e de máscaras, depois, deserto. As crônicas jornalísticas convidam os argentinos residentes e de passagem pelo México a enviar o relato de sua experiência e de sua situação, onde agora todos são potencialmente “letais”.

O México foi o espelho que nos devolve a imagem do que se tornaria o nosso país. Quem é o culpado? Eliminado o nome “gripe suína”, a gripe A H1N1 se refere à primeira criança que teve a doença, à mulher que foi para onde o vírus “sofreu mutação”, agora responsáveis por uma “pandemia iminente”. A situação mexicana nos leva a um túnel do tempo que remete à história das “pestes” e de suas consequências históricas, como se um século de desenvolvimento na medicina não tivesse incidência sobre as causas e as consequências potenciais da doença.

A terceira fase está marcada pela desinformação. Do ponto de vista econômico, pôde se observar o posicionamento de alguns especialistas da infectologia (representantes crônicos de interesses comerciais), que, na transmissão televisiva, chamavam à calma, enquanto vestiam uma máscara. Patético! Outros, enquanto isso, nos preparavam para nos vender a próxima vacina.

A partir do ponto de vista assistencial, existia uma saturação dos serviços ambulatoriais e de internação. As consultas se geravam, em parte, pelo pânico e pela desinformação, nos quais os meios de comunicação também faziam seu jogo. O desabastecimento, nas farmácias, de álcool gel e máscaras povoam as notícias, ao mesmo tempo que se referia à inocuidade do uso das máscaras. Os mortos vão marcando quem são os grupos de risco. Assim, dos tradicionais extremos da vida, crianças e idosos, como os mais vulneráveis, passa-se a jovens fortes e sadios, grávidas, até abranger todos.

Na dimensão social, instalou-se o medo do outro, ao que tínhamos a nosso lado, a quem se aproxima demais. Bocas fechadas que se escondem atrás de um cachecol, que inibem bocejos sob a forma de uma careta, olhares desconfiados e cheios de medo são agora a fotografia do espaço urbano. Nos transportes públicos, os movimentos são mínimos e milimetricamente calculados, os olhares se cruzam em um alerta incansável para não se encontrar perto do outro. Aquele que espia torcendo o nariz para espirrar, tirar um lenço ou pigarrear para limpar a voz provoca uma confluência de olhares reprobatórios que se avalizam mutuamente, assim a culpa inibe a ação, chama para a autocontenção, os olhares censuram atos, outrora cotidianos, tornando evidente a discriminação social que muitos sofrem diariamente por outras circunstâncias.

A quarta fase (que se superpõe à anterior) trouxe o autocuidado e a referência aos estilos de vida. Na dimensão dos negócios, apareceu a universalização da máscara, o uso do álcool e até apareceram os lenços “Dr. Ginés”. Vários laboratórios privados começaram a fornecer o diagnóstico a preços não inferiores a 250 pesos.

A partir da dimensão epidemiológica, já se reconhecia que a pandemia não tinha a mortalidade suspeita. Na dimensão social, voltava a aparecer uma velha e cômoda explicação: a da responsabilidade individual que culpa a vítima. Além disso, era preciso conseguir o “isolamento social”, expressão que reforça no imaginário a fragmentação dos conjuntos sociais e a discriminação. Mais tarde, fazíamos uma descoberta sensacional: a água e o sabão eram muito úteis. Mas o que fazíamos com os lenços e o álcool que tínhamos acumulado esperando o Apocalipse?

A quinta fase está marcada pela automedicação. Na dimensão econômica, é necessário recuperar a figura de Donald Rumsfeld (ex-secretário da Defesa de G.W. Bush). Um dos principais acionistas e ex-presidente do laboratório Gilead Sciences, que vende os direitos de fabricação e de comercialização do Tamiflu à empresa Roche. Do ponto de vista epidemiológico, soma-se o problema de quando e o que medicar. Por outro lado, potencializa-se no imaginário social que o medicamente cura e não que é um inibidor da reprodução viral. Na dimensão social, autocuidado, prevenção e automedicação se confundem na busca para se abastecer em casa de um bem escasso e precioso. A compra de antibióticos, antigripais e a busca desenfreada por Tamiflu, mesmo em países vizinhos, é o deleite daqueles que lucram com a venda livre de medicamentos e a desinformação das pessoas.

Na sexta fase, encontramos o tema do tempo livre como consequência do isolamento social. Os meios de comunicação se dedicam ao esporte de contar os mortos, como se se tratasse de um jogo entre a vida e a morte. Esperando não se sabe que resultado, nem de que campeonato. Ou será que mais mortos favorecem alguém? Alguns epidemiologistas apelando a projeções numéricas conseguem trazer mais confusão e alarme. Do ponto de vista social, coloca-se em evidência um novo pânico: o que fazer com as crianças em casa? Quando modelamos e regulamos nossas vidas em torno de instituições que proveem um alívio essencial, garantir o uso “produtivo” do tempo para os pais, e quando o uso de tempo livre se associa à ilusão de estar ocupados conhecendo novos lugares, participando de eventos especialmente concebidos para a ocasião – cinemas, espetáculos, shoppings etc. –, evidencia-se o temor de nos encontrarmos expostos à intempérie dos grandes espaços que proporcionam alívio diante da exposição de nos olharmos na cara entre aqueles que compartilham o mesmo teto, colocando em evidência a evasão e a alienação cotidianas.

Imaginamos a sétima etapa como o fim da pandemia e a saída da questão da agenda da mídia. Do ponto de vista epidemiológico, as outras epidemias existentes na Argentina continuarão em silêncio, algumas das quais matam mais do que a gripe suín… perdão, A (H1N1). Referimo-nos à tuberculose, à doença de Chagas, à leishmaniose, aos acidentes de carro e aos acidentes de trabalho, aos homicídios e à dependência às drogas. Muitas das anteriores parecem cumprir o papel de selecionadores sociais, completando assim a seleção biológica que a mortalidade infantil realizou nesses mesmos grupos sociais. Na dimensão social, questiona-se quais serão as consequências de tantas mensagens que reforçaram a ideia de se afastar do outro e que instalou a ideia do isolamento social como forma de salvação. Talvez pouco importe. A medicalização e a biopolítica continuarão seu trabalho.

(Ecodebate, 04/08/2009) publicado pelo IHU On-line, 03/08/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

BRASILEIRO NÃO GOSTA DE LER?

Sábado, Agosto 08, 2009

LIA LUFT
Revista Veja

BRASILEIRO NÃO GOSTA DE LER?

A meninada precisa ser seduzida. Ler pode ser divertido e interessante, pode entusiasmar, distrair e dar prazer.

Não é a primeira vez que falo nesse assunto, o da quantidade assustadora de analfabetos deste nosso Brasil. Não sei bem a cifra oficial, e não acredito muito em cifras oficiais. Primeiro, precisa ser esclarecida a questão do que é analfabetismo. E, para mim, alfabetizado não é quem assina o nome, talvez embaixo de um documento, mas quem assina um documento que conseguiu ler e... entender. A imensa maioria dos ditos meramente alfabetizados não está nessa lista, portanto são analfabetos – um dado melancólico para qualquer país civilizado. Nem sempre um povo leitor interessa a um governo (falo de algum país ficcional), pois quem lê é informado, e vai votar com relativa lucidez. Ler e escrever faz parte de ser gente.

Sempre fui de muito ler, não por virtude, mas porque em nossa casa livro era um objeto cotidiano, como o pão e o leite. Lembro de minhas avós de livro na mão quando não estavam lidando na casa. Minha cama de menina e mocinha era embutida em prateleiras. Criança insone, meu conforto nas noites intermináveis era acender o abajur, estender a mão, e ali estavam os meus amigos. Algumas vezes acordei minha mãe esquecendo a hora e dando risadas com a boneca Emília, de Monteiro Lobato, meu ídolo em criança: fazia mil artes e todo mundo achava graça.

E a escola não conseguiu estragar esse meu amor pelas histórias e pelas palavras. Digo isso com um pouco de ironia, mas sem nenhuma depreciação ao excelente colégio onde estudei, quando criança e adolescente, que muito me preparou para o mundo maior que eu conheceria saindo de minha cidadezinha aos 18 anos. Falo da impropriedade, que talvez exista até hoje (e que não era culpa das escolas, mas dos programas educacionais), de fazer adolescentes ler os clássicos brasileiros, os românticos, seja o que for, quando eles ainda nem têm o prazer da leitura. Qualquer menino ou menina se assusta ao ler Macedo, Alencar e outros: vai achar enfadonho, não vai entender, não vai se entusiasmar. Para mim esses programas cometem um pecado básico e fatal, afastando da leitura estudantes ainda imaturos.

Como ler é um hábito raro entre nós, e a meninada chega ao colégio achando livro uma coisa quase esquisita, e leitura uma chatice, talvez ela precise ser seduzida: percebendo que ler pode ser divertido, interessante, pode entusiasmar, distrair, dar prazer. Eu sugiro crônicas, pois temos grandes cronistas no Brasil, a começar por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, além dos vivos como Verissimo e outros tantos. Além disso, cada um deve descobrir o que gosta de ler, e vai gostar, talvez, pela vida afora. Não é preciso que todos amem os clássicos nem apreciem romance ou poesia. Há quem goste de ler sobre esportes, explorações, viagens, astronáutica ou astronomia, história, artes, computação, seja o que for.

O que é preciso é ler. Revista serve, jornal é ótimo, qualquer coisa que nos faça exercitar esse órgão tão esquecido: o cérebro. Lendo a gente aprende até sem sentir, cresce, fica mais poderoso e mais forte como indivíduo, mais integrado no mundo, mais curioso, mais ligado. Mas para isso é preciso, primeiro, alfabetizar-se, e não só lá pelo ensino médio, como ainda ocorre. Os primeiros anos são fundamentais não apenas por serem os primeiros, mas por construírem a base do que seremos, faremos e aprenderemos depois. Ali nasce a atitude em relação ao nosso lugar no mundo, escolhas pessoais e profissionais, pela vida afora. Por isso, esses primeiros anos, em que se aprende a ler e a escrever, deviam ser estimulantes, firmes, fortes e eficientes (não perversamente severos). Já se faz um grande trabalho de leitura em muitas escolas. Mas, naquelas em que com 9 ou 10 anos o aluno ainda não usa com naturalidade a língua materna, pouco se pode esperar. E não há como se queixar depois, com a eterna reclamação de que brasileiro não gosta de ler: essa porta nem lhe foi aberta.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009


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